Igreja Evangelica Jesus Cristo é o Senhor: A PROFECIA DO PROFETA ISAIAS

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A PROFECIA DO PROFETA ISAIAS


A pessoa do profetaO nome do profeta significa "do Senhor é a salvação". O seu nascimento deve ter ocorrido por volta do ano 760 a.C. O seu ministério ocorreu entre os anos de 740 a.C. (ano da morte do rei Uzias) e 701 a.C. (a batalha contra Senaqueribe). Existe uma tradição judaica que aponta a morte do profeta como tendo acontecido no ano de 698 a.C. Segundo esta tradição ele foi morte a mando do rei Manassés e o profeta teria sido serrado ao meio. Em relação a essa tradição judaica não existe grande fundamentação[2], por isso é melhor data o final do ministério do profeta como tendo ocorrido em 701 a.C., que é um dado mais seguro que possuímos.A influência cultural de Jerusalém na pregação do profeta é evidente. É de Jerusalém que ele recebe duas tradições importantes que permearam toda a sua teologia: a eleição de Jerusalém (ou Sião) e a dinastia davídica. Neste ponto ele difere de Oséias que não dava um grande valor a monarquia, porém isto não significa, que Isaías foi um profeta da corte que só anunciava salvação. Ele tinha consciência da importância da dinastia davídica, porém ele é extremamente crítica em relação a monarquia. Quando necessário, ele soube como ninguém, criticar a falta de fé dos monarcas de Judá. No momento de sua vocação (Is 6 - 740/739) ele tem uma experiência, que marcará também profundamente sua teologia, desta experiência brotam pelo menos 4 grandes temas: a santidade de Deus; a consciência do pecado (pessoal e coletiva); o castigo divino; e a esperança de que um resto sobrevierá. O primeiro tema brota da visão do trono de Yahweh, e contato com a santidade de Deus. O segundo ponto vem do grito "Ai de mim que vou perecer" (pecado pessoal) e quando também ele admite que vive em meio a um povo de impuros lábios (pecado coletivo). O terceiro tema vem do efeito da sua pregação, que provocará o embotamento do povo, que rejeitará a Yahweh. E a nota de esperança, vem do último versículo do capítulo 6 (v. 13), onde há esperança de que um resto sobreviverá.Não temos grandes informações sobre a vida pessoal de Isaías. Sabemos que o seu pai se chamava Amós, e que não deve ser confundindo como o profeta do mesmo nome. Não há informações sobre sua profissão, modo de vida ou até mesmo o lugar onde nasceu. Pelo vocabulário usado pelo profeta, pela facilidade em estar junto aos reis, pela valorização que ele dá a dinastia davídica e a Jerusalém, podemos presumir com certa segurança, que ele nasceu ou pelo menos exerceu o seu ministério em Jerusalém. Podemos também concluir que ele possuía um bom nível intelectual e que possuía bom trânsito na corte de Judá. Sabemos que ele era casado, em Is 8.3, sua esposa é chamada de "profetiza"[3]. Temos também a informação sobre o nome de dois filhos: Sear Yashub ("um resto há de voltar" e Maher Salal Has Baz ("pronto para o saque, pronto para o butim"). Os dois nomes, como podemos notar, tem valor simbólico, o que nos faz lembrar do profeta Oséias. Assim como seu companheiro do norte, a vida de Isaías torna-se uma mensagem, e toda a sua existência é tomado pelo ministério profético.A luz da sua pregação, podemos também definir Isaías como um homem decidido, corajoso e plenamente cônscio de sua missão profética. Há quem defenda a tese de que ele seria uma aristocrata e que portanto só defenderia os interesses da nobreza (Is 3.1.-9). Nada mais longe da realidade, pois o profeta, mesmo que o consideremos como membro da nobreza, ataca ferozmente a corrupção da nobreza (3.16-24; 32.9-14). E quando ele busca defender alguém de forma apaixonada, não só os nobres, mas sim os pobres que ele defende (1.17; 3.12-15). Não podemos também deixar de mencionar nesta breve biografia do profeta, a sua genialidade literária, que faz de Isaías "o grande poeta clássico".A questão da autoria do livroClassicamente o livro de Isaías tem sido dividido da seguinte forma: 1-39; 40-55; 56-66. A discussão que surge é se cada uma destas divisões remontam realmente ao profeta Isaías que viveu na segunda metade do Século VIII, ou se o livro é o resultado de uma compilação de vários escritos proféticos, originários de períodos diferentes da história de Israel. Uma leitura séria do livro de Isaías mostra que a partir do capítulo 40 há uma mudança literária e teológica bem clara. A grande questão a ser revolvida é como explicar estas diferenças.Até mesmo os defensores da unidade do livro de Isaías, ou seja, de que ele foi o autor de todo o livro, admitem que os capítulos 40-66 são bem diferentes do restante do livro[4]. Surge então a tese de que esta parte da obra isaiana não provém da mesma pena do autor dos primeiros 39 capítulos. Os debates têm sido os mais diversificados possíveis. É no século XI d.C. que temos o embrião da teoria do Dêutero-Isaías, ou seja, de que parte do livro de Isaías não remontaria ao profeta do Século VIII. Isto acontecerá com o trabalho de rabino Moisés ben Samuel Ibn Gekatilla. A segunda parte de Isaías é atribuída ao período exílico. Ibn Ezra, outro rabino, no século XII, continuará a trabalhar nesta direção.[5]Até então os estudos eram esporádicos e o máximo que se conseguia era levantar dúvidas. Em 1782, Eichorn desenvolve novamente a teoria de que os capítulos 40 a 66 tem como contexto o exílio babilônico.[6] Em 1788, Döderlein, falará explicitamente no Dêutero-Isaías, de um segundo Isaías que teria escrito a segunda parte do livro na época do exílio. Entretanto será Duhm quem trará real importância ao debate. Em 1888 ele começa a falar no Dêutero-Isaías. Profeta anônimo do exílio, ao qual ele atribui os capítulos 40-66. Em 1892, Duhm vai mais longe e defende apenas os capítulos 40-55 tendo como autor o Dêutero-Isaías. Os capítulos 56-66 seriam de autoria do Trito-Isaías, e teriam como pano de fundo histórico, a época do pós-exílio.[7]Nos séculos XIX e XX o debate ficou ainda mais acirrado. De um lado os que continuavam a defender a indivisibilidade do livro de Isaías e do outro os que defendiam as teorias do Dêutero e Trito Isaías. Entretanto entre os do segundo grupo também havia divergências. Alguns aceitavam apenas o Dêutero-Isaías como autor dos capítulos 40-66. E entre os que defendiam o Trito-Isaías, pensava-se num profeta ou em grupo de discípulos de profetas. As teorias tornaram-se quase intermináveis.Por que Isaías 40-66 levantou tanta polêmica assim? Não estariam os questionamentos levantados tirando o valor do livro do Isaías? As razões para se duvidar que o Isaías do século VIII a.C. escreveu os capítulos 40-66 baseiam-se em quatro pilares: as referências histórica do livro, a analogia profética, a teologia do livro e questões de ordem literária.[8]As referências históricas são claras. Jerusalém e o templo estão destruídos (Isaías 44.26-28; 51.3; 52.9). Há menções claras ao exílio (Isaías 42.22-24, 43.14). Porém a referência mais marcante é a citação do nome de Ciro, o imperador persa (Isaías 41.2ss; 44.28; 45.1-3). Há também a ordem ao povo que "saiam da Babilônia" (48.20; 52.11; 55.12), o que não faria sentido para o povo do Século VIII a.C. Realmente o texto se encaixa melhor no período do exílio babilônico do que no século VIII a.C. A partir do capítulo 56 voltam referência ao tempo, ao culto, a prático do exílio; o que demonstra que a terceira parte do livro (56-66) remonta a época da volta do povo do cativeiro, quando o templo e as muralhas de Jerusalém já estavam reconstruídos, ou seja, no século V a.C.Os que defendem a unidade de Isaías, geralmente, admitem que o texto fala aos exilados babilônicos. Contudo defendem que o profeta Isaías foi transportado em uma visão para o período final do exílio. Acusa-se então os defensores do Dêutero-Isaías de não acreditarem na predição profética.[9] A questão realmente é delicada e merece consideração. Se defender a teoria do Dêutero-Isaías significa não crer na predição profética então realmente esta teoria é um erro. A chamada crítica bíblica surgida no século XVIII e XIX tem em certo ponto visado “destruir a natureza sobrenatural da Bíblia como uma revelação o que transforma a Bíblia num relato da evolução subjetiva da religião na consciência humana”[10]. Ao mesmo tempo é claro que a crítica bíblica tem sido benéfica em muitos aspectos, e também a predição profética tem tido um valor exagerado, e é questão bem definida para quem estuda os profetas, que em geral eles falam para o seu tempo, e não para uma época remota e futura. É necessário, então, bom senso e respeito pela palavra de Deus para resolver-se a questão.É de valia neste momento o conceito que Bentzen chama de analogia profética.[11] Os profetas clássicos do Velho Testamento falam para o seu tempo. Mesmo quando ocorre a predição do futuro, a mensagem tem um significado para o seu tempo. Então surge as questões: Que interesse haveria na Babilônia e em Ciro no século VIII a.C.? E por que profetas da estirpe de Sofonias, Habacuque, Jeremias e Ezequiel desconhecem estes oráculos? Chega-se então a conclusão que a teoria do Dêutero-Isaías é mais coerente com o conceito de profecia do Antigo Testamento. Não há, então, o perigo de colocar-se em dúvida a predição profética, ou o valor da mensagem dos profetas. Defender essa teoria não significa necessariamente negar o sobrenatural. Von Rad, que é adepto da teoria do Dêutero-Isaías, não nega que há predição do futuro no texto. Inclusive ele interpreta alguns trechos do capítulos 40-55 como linguagem típica da predição do futuro.[12]Outro argumento para defender a origem exílica de Isaías 40-55 é o teor teológico do texto. No Dêutero-Isaías o monoteísmo é muito mais desenvolvido que em Isaías 1-39. No exílio Israel deixa a monolatria[13] e abraça de vez o monoteísmo absoluto. Isto fica claro em textos como Is 44.6: “Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus”. Para Jonh Bright o Dêutero-Isaías tem papel decisivo nessa mudança: “Foi ele realmente, quem deu ao monoteísmo sempre implícito na religião de Israel sua expressão mais consistente”.[14] E é a partir deste conceito de monoteísmo que é desenvolvida uma teologia de história não conhecida em Israel antes do exílio.[15] As diferenças teológicas entre o I e o II Isaías são por demais marcantes para se continuar a defender a unidade do livro em termos de autoria.As diferenças de linguagem e estilo também corroboram para a teoria do Dêutero-Isaías. O primeiro Isaías traz a linguagem breve e enfática do profetas pré-exílicos. Já o II Isaías traz uma linguagem copiosa inundada por temas hínicos. Os que defendem a unidade de Isaías justificam dizendo que isso era intencional. O estilo de um autor poderia mudar com o propósito do texto[16]. Não pode-se negar que há coerência neste argumento, contudo as diferenças de estilo são por demais marcantes. Seria o mesmo que admitir que os discursos sinópticos e joaninos de Jesus viessem da mesma pena.[17]Faz-se necessário analisar mais alguns argumentos dos que defendem a indivisibilidade do livro, antes de abraçar-se a teoria do Dêutero-Isaías. Há o argumento que se apoia na tradição judaica sirácida que sempre teve em Isaías o autor de todo o livro, conforme podemos ver em Eclo 48.22-25 que faz alusão a Is 1.1; 36-39; 40 como formando um único livro.[18] Realmente a tradição judaica não pode ser desprezada. Eles estavam bem mais próximos da composição dos textos do Antigo Testamento do que nós. Agora com certeza ela não é infalível, e sabe-se bem que sempre foi hábito da tradição judaica dar as coisas novas a chancela do antigo. Um exemplo óbvio é a origem do Pentateuco remontando todo ele a Moisés.[19] Os defensores da unidade do livro de Isaías também apelam para o NT que só conhece um Isaías: (Mt 3.3; Mt 8.17; Mt 12.17-21; Jo 12.38; Rm 10.16; Rm 10.20-21. Entretanto sabemos que também o NT cita o Pentateuco sendo todo de Moisés, nem Jesus, nem Paulo, estavam preocupados em discutir autoria dos livros, a preocupação era com o valor destas escrituras. Não havia pesquisa científica sobre os livros do AT no primeiro século, e os autores do NT refletem o pensamento e contexto de sua época.Os defensores da unidade do livro de Isaías perguntam-se também por que o nome do Dêutero-Isaías foi esquecido. Seria então ir longe demais imaginarmos um profeta, ao qual não temos nenhuma informação. Se ele realmente existiu e sendo o seu escrito tão importante por que não há nada registrado sobre a sua vida pessoal?.[20] Não é preciso ir muito longe para perceber-se a superficialidade do argumento. A epístola aos Hebreus também é uma obra teológica monumental, mas até hoje ninguém ousou afirmar de forma categórica quem seja o seu autor.Resta ainda um problema a ser analisado. A obra do Dêutero-Isaías abrange o capítulos 40-55 ou 40-66? O estilo extremamente poético de Isaías 56-66 dificulta a identificação do contexto histórico. Porém o clima palestino e as referências ao Sábado e ao jejum apontam para o contexto pós-exílico. Como afirma Bentzen: “A balança pesa para o Trito-Isaías, a idéia seria de um profeta ou discípulos que reinterpretavam o Dêutero-Isaías”.[21]A formação do livroA formação do livro de Isaías como um todo é bastante complexa. Já vimos, pelo ponto anterior, que temos pelos menos três grandes seções que vem de épocas diferentes, e de profetas diferentes. O livro de Isaías deve ter sido a princípio uma série de coleções que foram sendo produzidas ao longo dos séculos, até que finalmente foram coligadas em uma única obra. Os próprios registros do I Isaías demonstram uma redação complexa pois temos textos onde o próprio profeta escreve (30.8-15), há menção a um secretário (8.1) e também de discípulos do profeta (8.16-18).Importante neste momento destacarmos também os seguintes fatos que temos sobre o surgimento do livro de Isaías:a) Nos manuscritos do Mar Morto já temos o livro finalizado, portanto no II Século a.C., o livro de Isaías já tinha os 66 atuais capítulos;b) As citações que o NT faz do livro de Isaías, também demonstra um livro único;c) Na citação que temos do Eclesiásticos (48.22-25) sobre Isaías há menções a Is 1.1; 36-39; 40ss. Para o autor do Eclesiástico, por volta de II Sec. a.C., o livro de Isaías já estava também formado;d) Na LXX também temos um único volume, o que pressupões que no III Sec. a.C., o livro já tinha os atuais 66 capítulos.Pelo visto acima, podemos entender que o processo de redação e formação do livro de Isaías foi no máximo até o Século IV a.C. Devemos também notar que nem tudo que está em Is 1-39, provém do I Isaías, ou seja, do profeta do Século VIII. Em geral entendem-se como vindo do profeta Isaías os oráculos que estão nos capítulos 1-12 e 28-35. Os capítulos de 1 - 5 viriam do início do ministério do profeta (740-736). Do período da Coligação Siro-Efraimita teríamos os oráculos de 7 a 8 (734-32), e finalmente do final do ministério do profeta os capítulos de 28 a 35 (705-701). Existem capítulos dentro de Is 1-39 que referem-se a Babilônia (13-14 e 21), o que pode ser explicado pelo fato de que estes oráculos teriam sido escritos originalmente contra a Assíria, e sofreram uma revisão exílica, transformando os oráculos em oráculos contra a Babilônia. Uma outra hipótese seria de que estes capítulos viriam da época do II Isaías, mas por algum motivo foram inserido em Is 1-39. Há também quem considere os "textos messiânicos" de Isaías (8.23b-9.6 e 11.1-16) como sendo também acréscimos, ou revisões de oráculos originais. Esta revisão teria acontecido na época do Rei Josias (Sec. VII), e seria este rei o "menino que nasceu" em Is 9.6.O Livro de Isaías como um conjuntoNos pontos anteriores chegamos a conclusão que o livro de Isaías não foi escrito por um único autor, e que o livro possui textos que vem de época bem distintas da história de Israel. Esta conclusão não deve, porém, nos levar a pensar que o livro é uma grande colcha de retalhos, sem nenhum direção ou objetivo. Houve um processo de redação final que juntos os “três Isaías” e deu um formato final ao livro. Há uma lógica na atual disposição dos textos e também temas que unificam os “vários Isaías”.Temas que unificam o livro de Isaías temos vários. Um deles é o título para Deus: “Santo de Israel”. Este título repete-se ao longo dos 66 capítulos do livro por 35 vezes. A importância dada a Jerusalém também é outro tema que une a obra, cerca de 47 vezes é mencionado Sião, e por 17 vezes Jerusalém. A figura de uma vinha utilizada para caracterizara Israel também se repete no livro (Is 5.1-7; 27.2-6; 11.6-9; 65.25).O próprio capítulo de abertura de Isaías, em especial o texto de Is 1.2-3, traz temas que aparecerão ao longo de todo o livro. O texto é, portanto, uma abertura programática de todo o livro. Temas que aparecem neste texto e se repetem em Isaías são os seguintes:· “céu e a terra” – Is 44.24; 49.13. Deus abala os céus e a terra (13.13); Deus é o criador dos céus e a terra (37.16; 40.22; 42.5; 44.24; 45.12,18; 48.13; 51.16); Deus há de criar novo céu e nova terra (65.17; 66.22);· O título de “filhos” para Israel – Israel é visto muitas vezes como filhos desobedientes (1.2; 1.4; 30.1-9); em outros momento Deus chama Israel de “meus filhos” (43.6; 45.1; 63.8); vemos sempre a atitude paternal de Deus (42.13; 45.10; 49.14ss); Israel se refere a Deus como “nosso pai” (63.16; 64.7); em outro momento Deus também é visto como mãe (66.13)· A revolta de Israel – várias vezes o tema volta trazendo a idéia de Israel é “revoltado desde o seio materno” (43.27; 48.8; 66.24);· A junção dos termos ‘awon (culpa) e ‘am (povo) – 5.18; 22.14; 30.13; 33.24. Em Is 40.1-2 temos o fato de que a culpa do povo já foi expiada; em 43.24 é citado a culpa de Jacó/Israel; o servo sofredor do II Isaías é descrito como aquele que carrega a culpa do povo (53.11); e há momento onde não há mais recordação da culpa (64.8)Contexto histórico de Is 1-39Para entendermos melhor a mensagem do Primeiro Isaías faz-se necessário uma análise da situação de Judá na segunda metade do século VIII. Pelos dados que temos, Isaías profetizou entre os anos de 740 a 701 a.C. Foi um período onde o Antigo Oriente foi da paz a turbulência total.O principal acontecimento do período foi a subido ao trono assírio de Teglat Falassar III em 745 a.C. Ele logo se mostrou um hábil governante. Buscou inovar as técnicas de guerra, causando uma verdade revolução. Entre as suas inovações estavam: rodas de 8 aros, cavalos de reposição e infantaria com botas. Não havia ninguém no Antigo Oriente em condição de enfrentá-lo de igual para a igual.Logo, Teglat Falassar III levou a Assíria a dominar vários povos. A expansão imperial assíria era baseada em tratados de vassalagem. E a dominação do outro povo se dava da seguinte forma:· Em primeiro lugar era feita uma demonstração de força do exército assírio e exigia-se do povo a ser dominado uma alta tributação. Se o povo aceitasse as condições, continuaria livre, mas pagando impostos aos assírios. Na verdade era o que podemos chamar de uma “liberdade vigiada”;· Se o povo se revoltasse depois de ter aceito a tributação, era deposto o rei e colocado um de confiança dos assírios. O povo poderia perder totalmente a autonomia, tornando-se numa mera província Assíria. E somado a tudo isto havia o aumento dos impostos;· Se houver uma nova rebeldia, os assírios avançavam com suas tropos, dominavam o povo, e deportavam muitos habitantes para outros lugares. O reino do norte de Israel passou pelos três momentos de vassalagem até perderem sua capital e a organização como país em 720-22. Judá ficou sempre no primeiro grau de vassalagem, apenas pagando impostos;O reinado de Teglat-Falassar durou de 745 a 727 a.C.. A assíria experimentou neste período uma grandiosa expansão territorial. Os domínios assírios se expandiram até a Babilônia e a Síria-Palestina. Em 734 há uma tentativa de rebeldia dos Sírios e do Reino do Norte, formando-se uma aliança siro-efraimita. Eles tentaram o apoio de Judá que se recusou, e houve ameaça por parte dos siros-efraimitias de invadirem Judá. Os acontecimentos de Isaías 7 aconteceram durante este período.Depois de Teglat-Falassar, subirá ao trono assírio Salmanasar V (727-722 a.C.). Será este reino que realizará o ataque fulminante contra a Samaria, ocorrendo a destruição do Reino do Norte. O próximo rei assírios será Sargom II (721-705). Ele será o responsável por cerca de 27.290 samaritanos para outros países no ano de 720 a.C. Sargom também empreenderá campanhas contra a Arábia, Edom e Moabe (vide Is 13-23). Uma nova tentativa de rebelião será feita por filisteus e egípcios que se aliam, mas novamente sem sucesso. É neste período que Isaías intervém impedindo Judá de entrar em qualquer aliança com uma nação estrangeira. O próximo soberano assírio será Senaqueribe (704-681 a.C.). Será um período de novas rebeliões, mas que também será catastrófico para Judá.E como vivia Judá na época de Isaías? Entre 767 e 739 reinou em Jersualém Uzias. Lendo o texto de II Cr 27 vemos que foi um período de vitórias, de construção de fortificação e também de fortalecimento de exércitos. Há dúvidas se neste período Judá já estavam pagando tributos a Assírias. Entre 739 e 734, reina Joatão. O texto de II Cr 27 nos mostra que Judá ainda vivia uma época de certa prosperidade. O problema é que no final do governo de Joatão inicia-se a aliança siro-efraimita, o que foi uma ameaça a paz de Jerusalém (II Rs 15.37).Depois de Joatão, assume o trono de Davi, o rei Acaz (734-727). A aliança siro-efraimita iniciada no governo anterior, ganha proporções gigantescas na época de Acaz. Para Acaz a tal aliança era uma grande “aventura de loucos”, e ele não queria se engajar nela, mas tinha muito medo da ameaça siro-efraimita (Is 7). O texto de II Rs 16.7-9 demonstra que Acaz chegou a pedir ajuda a Teglat-Falassar, e Judá passa a se tornar vassalo de Assíria.O próximo rei em Jerusalém será Ezequias (727-698). Sabemos que ele assumiu o trono ainda criança, e que durante o período de 727 a 715 ele ainda era menor. Quem reinou durante este período? Não há mais como saber. O seu reino de fato acontecerá entre os anos de 714 a 698. Ele implementará uma grande reforma religiosa (II Rs 18.4; II Cr 29-31). As suas atitudes como rei demonstram que ele buscou a independência política de Judá, ou seja, a libertação das imposições assírias. Entre 713 a 7111 acontecem rebeliões de vários povos contra a Assíria. O texto de Is 20.1-6 nos mostra o profeta orientando Ezequias a não se aliar ao Egito. Será na época de Ezequias que haverá as investidas de Senaqueribe contra Judá. Diante de Senaqueribe houve uma vitória de Israel realmente? Ou foi apenas uma vitória parcial? A segunda opção parece ser a mais lógica pois o texto de II Rs 18.14 nos mostra Judá pagando tributos a Assíria, o que seria incompreensível a luz de uma vitória esmagadora de Judá. O texto de II Cr 19.35 é que nos dá uma idéia de uma vitória total e miraculosa de Judá, o que aconteceu é que este texto deve estar bastante influenciado por uma visão teológica e por isso daria a falsa idéia de uma vitória total.Atividade profética do primeiro IsaíasNão é tarefa fácil datar os oráculos pronunciados pelo Primeiro Isaías. Quase não há indicações cronológicas nos oráculos, e nem sempre o livre segue uma ordem cronológica correta. O que esboçaremos a seguir é uma tentativa de datar a maiorias dos oráculos de Isaías. Sabemos o quanto é importante para a interpretação do texto bíblico encontrar o seu contexto histórico.a) Oráculos na época de Joatão (740-734)Esta é uma época de prosperidade econômica e independência política de Judá. Os nobres de Israel demonstram orgulhosamente o seu luxo, e tudo isto através da exploração dos pobres. É deste período que surgem oráculos que trazem uma visão crítica sobre a prosperidade (Is 1-5; 9.7-20; 10.1-4). O profeta, neste período, crítica tanto a situação social como a religiosa.O texto do capítulo 1 que trata da falsa piedade religiosa, é um dos ataques mais violentos do profetismo contra a falsidade no culto. O que se discute no texto não é se o mais importante é o culto ou a justiça social. O que se quer enfatizar é a boa relação que deve haver entre estes dois aspectos. Os dois devem andar sempre juntos, um não subsiste sem o outro.Nos versículo de 10-15 há a citação do direito (“torah”), que está sendo rejeitada pelo. Esta palavra aqui, como na maioria dos textos proféticos, refere-se a vontade de Deus e não especificamente a lei mosaica. O povo estava rejeitando a vontade de Deus, ao unirem culto e injustiça social. O que é rejeitado aqui não é o culto, mas sim a hipocrisia do culto da época.No versículos de Is 1.16-17 temos o clamor de Yahweh por justiça. O texto lembra bastante Mq 6.6. O que se pede, acima de tudo, é justiça na vida pública, e não apenas no culto. O culto deve se estender por toda a vida do servo de Deus. Deus clama por justiça (mishpat), e a justiça no Antigo Testamento está sempre ligada aos oprimidos: viúvas, órfãos, estrangeiros, pobres. Aqui no texto são citados especificamente órfãos e viúvas, que representam os oprimidos de Israel, aqueles que não tem mais como defender os seus direitos, por isso o povo deveria olhar para eles com carinho. Para entender melhor a situação do órfão e viúva no Antigo Testamento, deve-se consultar textos como Ex 22.21-22; Dt 10.18; 14.29; 27.19.Nos versículos de Is 1.18-20 temos a promessa de restauração. Se o povo se arrepender tudo será mudado, o vermelho carmesim do pecado irá se tornar branco como a neve. A expressão “Vinde, pois...” é uma declaração, geralmente, utilizada quando se fala da realidade de um novo início. Basta o arrependimento, o povo volta a viver na justiça. Vemos aqui a questão da justificação pela graça e do perdão divino sendo tratado no Antigo Testamento!Um outro texto que nos mostra a situação caótica de Judá neste período da pregação de Isaías é o texto de Is 5.8-24, onde temos o sêxtuplo ai. Nunca é demais lembrar que a palavra “ai” no Antigo Testamento expressa uma maldição, um juízo irrevogável. Era palavra usada normalmente no contexto dos enterros. A palavra pode, então, exprimir a idéia de que quem sofre a maldição já pode ser considerado como morto. O sêxtuplo ai é pronunciado no texto contra: aqueles que ostentam posses, luxo (8-10); aqueles que estão extremamente apegados aos prazeres e o abuso das bebidas (11-13); a cidade de Jerusalém que será terrivelmente destruída (14-17); os pecadores desavergonhados (18-19); os falsificadores da verdade (20); a falsa sabedoria (21); aqueles que se entregam a bebedeira e a injustiça social (22-24).b) Oráculos na época de Acaz (735-727)É o período da famigerada aliança Siro-Efraimita que conclama Judá a fazer parte da aliança, e assim enfrentarem a poderosa Assíria. Os textos dos capítulo 7 e 8 inserem-se neste contexto. Acaz sente-se acuado diante dos inimigos. O profeta exorta o rei a ter fé e confiar em Yahweh. O interessante é que o profeta não condena a aliança, mas sim o medo do rei. A questão para Acaz não é escolher entre “crer” ou “pedir ajuda”, mas sim entre “crer” e “ter medo”. Apoiar-se na aliança siro-efraimita é temer e deixar de crer no poder de Yahweh. O medo do rei aparece no capítulo 7 e volta novamente no texto de 8.12-13.c) Oráculos na época Ezequias menor (727-715)É durante este período que assume o trono assírio Salmanssar V. Deste período podemos datar o oráculo de 14.28-32, onde vemos a Filistéia feliz pela morte do terrível Teglat-Falassar. O texto de 28.1-4 também é desta época, é uma dura palavra a Samaria, por suas constantes rebeliões.d) Ezequias maior (714-698)Quando Ezequias atinge a maioridade, é quando ele começa mesmo a reinar. Neste período ele implantará significativas reformas religiosas e políticas. Judá volta a renascer, tanto religiosamente como politicamente falando. Em razão disso, nações como a Babilônia e o Egito se interessam por Judá, pois vêem em Judá um forte aliado depois da reformas de Ezequias. É deste período que trata os relatos de Is 37 a 39. No capítulo 39 temos a menção do soberano babilônico Merodac-Baladã que busca auxílio de Judá. O texto de 18.1-6 já nos fala sobre a possibilidade de Ezequias aceitar ajuda do Egito, o que é terrivelmente rechaçado pelo profeta. O capítulo 20 de Isaías fala sobre a rebelião egípcia de Azoto (715-711).Em 705 morre o soberano assírio Sargão, e assume o trono Senaqueribe. O que sabemos deste período? Podemos saber com certeza os seguinte: a) os judeus pedem apoio ao Egito; 2) Senaqueribe invade Judá; c) Jerusalém sobrevive ao ataque.Em época anteriores, Isaías descreveu a Assíria com instrumento de Deus (5.26-29; 10.5-6; 28.2). Agora a Assíria não é mais descrita assim, e Isaías passa anunciar a salvação para Jerusalém (31.5-6; 33.33-35). Um outro texto que viria deste período seria o de Is 33.1-14, onde podemos novamente perceber um pouco do sentimento do profeta. A mensagem é de condenação para o povo, e que o castigo é mais do que merecido.A mensagem de Isaías 1-39Resumir a teologia do Primeiro Isaías não é uma tarefa fácil, pois estamos diante de uma das partes mais ricas de todo o Antigo Testamento. A influência de Amós é perceptível na pregação de Isaías, principalmente quando ele aborda questões sociais. Agora a sua visão da monarquia e de Jerusalém faz com ele seja bem diferente do profeta de Técoa. Ao longo do Primeiro Isaías sempre aparece a teologia da eleição de Davi e Jerusalém. Há uma dinastia escolhida por Deus e que exerce um papel fundamental na fé de Israel; e mais esta monarquia se assenta no trono que fica na cidade que também foi escolhida por Deus.Isaías fala muito também sobre a fé. E fé, para Isaías, é exatamente o contrário do medo (Is 7). A fé deve se manifestada em atitudes concretas. Quando o inimigo está por vir, não se deve ficar desesperado. Mas muito pelo contrário, a atitude a ser tomada é confiar em Yahweh. Nunca Judá deve confiar nas suas próprias forças, e muito menos em pedir a ajuda a nações estrangeiras como o Egito, Síria ou Babilônia. Nunca Isaías fala da auto-afirmação do ser humano, como ele fosse o senhor de si; mas a força do homem está em confiar em Yahweh. O segredo do sucesso humano está na confiança em Yahweh (Is 28.12). O texto de Is 2.6-22 anuncia a vinda do dia do Senhor sobre os pecadores de Israel. Nos versículo 6-8, em especial, condena-se o homem que confia em si mesmo. São homens cuja força está no poderio militar, econômico, na adivinhação, na idolatria. A teologia deuteronômica também trabalhava bem esta questão, condenando a auto-confiança de Israel (Dt 17.16).Todos os profetas do século VIII trataram sobre as questões sociais. E com Isaías não foi diferente, ele denunciou com toda a força as mazelas sociais de Judá. E apontou corajosamente o erro dos poderosos, que através da corrupção, exploravam aqueles que nada tinham. Porém, é bom lembrar, que os profetas não eram apenas críticos sociais. Eles entendiam que por de trás da injustiça social está a falta de temor a Yahweh. A questão não é apenas de uma luta social e política, mas sim de um encontro vital com Deus, que é o Senhor da justiça, por isso não tolera a opressão e a injustiça.No quadro abaixo colocamos o que podemos chamar dos cinco pilares fundamentais da pregação do Primeiro Isaías:IJerusalém, a cidade santa / Dinastia davídicaA segurança dos judeus fiéis baseia-se nestes pilares. Israel é a nação eleita, por isso sempre restará um resto, um remanescente fiel. Para Isaías a idéia do remanescente fiel é essencial para a esperança e a escatologia. A ênfase na dinastia davídica é ampliada para se chegar a figura do Messias real (Isaías 9, 11). Somente com Messias as expectativas do povo serão plenamente alcançadas. Os chamados apocalipses de Isaías (24-27, 34-35) também trazem uma mensagem de esperança que se alia aos textos messiânicos.IIO Deus santoHá em Isaías uma profunda reverência a santidade e a glória de Deus (Isaías 6). Entre Is 1 até 60.14, Deus é chamado 35x de “santo” (heb. qadosh). Ao mesmo que enfatiza a grandeza de Deus, Isaías mostra o quão pequeno é o homem e também a falibilidade dos planos humanos.IIIO sentido da históriaPara os profetas em geral, Deus se revela através da história. Isaías mostra como Deus usa a Assíria para castigar Israel (10.5). É Deus quem comanda a história. Para que Judá seja bem sucedida é preciso estar atento a direção de Deus. Infelizmente Judá prefere confiar em suas próprias forças ou no Egito. Isaías prega duramente contra este tipo de idéia. As análise que Isaías faz da história mostra que ele era homem conhecedor tanto da política interna como externa de sua época. Era um homem muito bem informado.IVA verdadeira religiãoA importância da éticaIsaías, assim como Amós, condena radicalmente a hipocrisia do culto judaico. O culto era apenas exterior e não interior. Deus passa então a abominar e sentir nojo do culto do povo de Israel (1.10-20). Isaías valoriza por demais o fazer o bem e o ajudar os oprimidos e injustiçados. A justiça social é um ponto essencial da pregação dos profetas do Antigo Testamento.VO Messias DavídicoNa Primeiro Isaíaso (1-39) temos o Messias Davídico. Comparado a um rei. Ele reinará, trará a paz, e fará de Israel uma grande nação novamente (Is 7, 9, 11). No Segundo Isaías (40-55) vemos o Servo Sofredor. Juntando estes dois conceitos temos a mais rica descrição messiânica do Antigo Testamento. Por isso Isaías é chamado do Profeta Evangélico.Uma breve introdução ao II Isaías (Is 40-55)Dêutero-Isaías: O ProfetaA princípio parece ser uma tarefa inútil buscar identificar as características pessoais do Dêutero-Isaías. Não se sabe nem mesmo o seu nome. E tentar traçar uma biografia do profeta sempre se tornou uma experiência frustrante. Döderlein tentou defender a tese do profeta chamar-se Isaías também, mas nunca se decidiu claramente a favor dela.[24] Realmente não possuímos dados pessoais do autor, porém tem-se o seu legado literário. São 15 capítulos que demonstram ser produto de um teólogo genial e pertinente. O texto é extremamente inovador e essencial para a Teologia do Antigo Testamento.Claus Westermann, a partir da análise do texto, identifica quatro características básicas do profeta: 1) Ele vem da linha dos profetas exílicos; 2) Ele tem um chamado e a princípio se recusa (Isaías 43.22-28); 3) Ele vivia o mesmo drama dos seus compatriotas no exílio; 4) Ele era ligado com os salmistas e cantores do templo (Isaías 40.7).[25]Pode-se considerar o texto de Isaías 40.1-8 como o chamado do profeta. No versículo 6, o profeta se mostra a nós na pergunta: “Que hei de clamar?”. Diante da crise do exílio o profeta se sente impotente, entretanto Deus garante o poder de sua palavra. É a partir da certeza do valor da palavra divina que o profeta poderá cumprir o chamado divino que diz: “Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus” (Is 40.1).A tese de que ele era ligado ao culto no templo não deve ser entendida no sentido que ele estava alheio a situação do povo em geral. Pelo contrário, Dêutero-Isaías compartilhava das mesmas dúvidas do povo israelita no exílio. Teria Deus abandonado seu povo? Seriam os deuses babilônicos mais poderosos do que Yahweh? Contudo o profeta encontrou a resposta exata para estas questões. E isto fica claro em sua teologia.Não é só Westermann que liga o profeta ao culto, Von Rad também o faz.[26] Von Rad também afirma que o profeta está ligado com as tradições pré-exílicas do Êxodo, Davi e Sião. Tudo isto reflete-se de forma clara nos Cânticos do Servo do Senhor. E não só aí como nos cânticos de louvor e nos gritos de exulta-ção do profeta (Isaías 42.10-13, 44.23, 45.8, 48.20, 49.13)A relação com o culto e a profundidade de seus escritos nos faz pensar em um homem dedicado a obra literária. Sim, sua obra literária é fabulosa, mas o Dêutero-Isaías era primeiramente um pregador. As discussões polêmicas e os convites contidos no texto nos mostram isso.[27]Basicamente é o que se pode dizer sobre o profeta. Ao mesmo tempo que está ligado com estilo da antiga profecia é também um inovador. Alguém que valoriza por demais a palavra de Deus. Um homem que conhece a mente do povo mas também está ligado com o culto e as tradições da religião de Israel. Tudo isto é extremamente refletido e analisado. E por que tanta reflexão teológica sobre o presente, passado e futuro? O momento de crise pede.[28] Portanto, Dêutero-Isaías é o homem certo para o momento certo.Origem e Composição do Livro do Dêutero-IsaíasJá identificou-se Isaías 40-55 como uma obra independente dentro do livro de Isaías. Haverá, então, unidade no II Isaías? Ou trata-se de uma obra fragmentária como afirmam Mowinckel, Greissman e Volz?. E os Cânticos do Servo do Senhor são de autoria do Deutêro-Isaías? Todas estas questões são de extrema importância para o prosseguimento de nossa pesquisa.[29]Antes, porém, de responder esta questão faz-se necessário entender a composição dos livros proféticos. Os livros proféticos são resultantes de um longo e gradual processo, que começa com a tradição oral. A atividade dos profetas é mais querigmática do que literária. O processo de escrita era realizado pelo próprio profeta ou por seus discípulos. A escrita não eliminava a tradição oral, elas coexistiam.[30]Claus Westermann considera o Trito-Isaías como o discípulo por excelência do Dêutero-Isaías. Ele seria o redator final do livro. E Westermann nos dá cinco razões porque vê unidade no II Isaías: 1) A existência de um prólogo (Isaías 40.1-11) e um epílogo (Isaías 55.6-11); 2) A posição cânticos de oração e os brados de exultação que concluem as diversas partes do livro; 3) A posição do oráculo de Ciro no centro do livro; 4) A posição estratégica dos dois poemas polêmicos (Isaías 40.12-31; 49.14-26); 5) E a natureza excepcional dos capítulos 54 e 55 no final do livro.[31]Realmente há um fio condutor teológico em todo livro, o que mostrar ser a tese de Westermann bem provável. Contudo, Westermann considera os Cânticos do Servo do Senhor como adições. Sendo os três primeiros do próprio II Isaías. O último cântico seria um canto fúnebre escrito pelos discípulos do II Isaías.Os cântico seriam obras independentes, que não teriam nenhuma relação com o restante do texto do II Isaías?.[32] Sem dúvidas os cânticos tem vida própria. Porém, eles devem ser entendidos no contexto total do Dêutero-Isaías e não isoladamente como simples adições.[33] A obra do II Isaías é coesa e extremamente elaborada.O Contexto Histórico da Profecia do Dêutero-IsaíasO contexto histórico do Dêutero-Isaías é o exílio babilônico. É quase consenso entre os estudiosos colocar a profecia do Dêutero-Isaías entre a destruição de Jerusalém (587 a.C.) e a queda da Babilônia (539 a.C.).[34] É preciso agora avaliar o que significou este período dentro da História de Israel.John Bright assevera que o exílio foi uma grande tragédia. O povo de Israel perde a identidade política e religiosa, mas de forma extraordinária a História de Israel continua.[35] Por que Israel experimentou essa tragédia?Teologicamente o exílio ocorreu pela infidelidade de Judá. O pecado de Judá trouxe a ira de Deus contra o seu povo. O exílio é o castigo de Deus para a infidelidade de seu povo. Através dos profetas Isaías e Miquéias, Deus exortou o povo a reconsiderar os seus caminhos ou o castigo seria inevitável. O povo estava envolto na idolatria, na injustiça social e fazia pouco caso com o culto a Yahweh. A Babilônia seria o instrumento de punição divina, assim como a Assíria já o tinha sido para o Reino do Norte.Quando o profeta Habacuque vê a impunidade e o pecado tomando conta de Judá, ele se escandaliza e brada: “Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não mês escutarás?” (Hb 1.2). Deus então explica ao profeta que usará a Babilônia como instrumento. O profeta fica ainda mais escandalizado (Habacuque 1.12). Até que através da ajuda divina, ele consegue aceitar os desígnios divinos (Habacuque 2.4, 3.17-19). Jeremias também é testemunha deste momento delicado na vida do povo de Israel. Ele como ninguém descreve a dor e a confusão de sentimentos do momento (Jeremias 51.34-35)Foi Nabucodonossor quem levou a Babilônia a marchar contra Jerusalém. Nabucodonossor era um líder extravagante e pretensioso. Seu objetivo era transformar a Babilônia na capital do mundo.[36] Os exércitos babilônicos conquistaram Judá no ano de 597 a.C.. Já em 597, Nabucodonossor deportou de Judá o Rei Joaquim, mem-bros da família real, nobres, proprietários de terras, líderes militares, anciãos, artesãos, sacerdotes e profetas. O número de deportados não foi grande, cerca de 10.000 pessoas (2 Reis 24.14,16 e Jeremias 52.58). Entretanto foi levada cativa a nata do Reino de Judá.[37]Sedecias foi então nomeado para governar Judá em nome da Babilônia. Anos mais tarde este rei se rebela contra a Babilônia e o resultado é dramático. Jerusalém é invadida em 587 a.C. e o templo saqueado. A cidade ficou em ruínas e mais pessoas foram deportadas.[38]A Bíblia ainda nos informará de uma terceira deportação (Jeremias 52.30) e a libertação do rei Joaquim (2 Reis 25.27-30). Quando o novo governador nomeado pela Babilônia é assassinado, muitos fogem de Judá para o Egito e levam consigo o profeta Jeremias. De resto a Bíblia guarda silêncio sobre fatos históricos até o aparecimento de Ciro, o primeiro imperador persa. Ciro será um fator decisivo na história de Israel deste período, e também influenciará a teologia do Deutêro-Isaías.Teremos então a nação de Judá dividida em dois grupos principais. Os que ficaram na Palestina e os que foram levados cativos para a babilônia. Em Judá há lamento (Lamentações 5.1-18) e nostalgia em relação as ruínas do templo (Jeremias 41.5). O povo continua a luta em Judá, mas faltava um líder.[39] Deste modo, John Bright faz uma excelente observação da situação vivida por Israel na época do exílio:Embora os israelitas da palestina fossem ainda numericamente a maioria, o futuro de Israel dificilmente estaria com eles. O verdadeiro centro da gravidade de Israel tinha temporariamente se deslocado da pátria.[40]E são justamente os exilados da Babilônia que nos interessam na presente pesquisa. Como já vimos os deportados eram a nata política, eclesiástica e intelectual de Judá. Sem dúvidas foram humilhados na Babilônia, mas não sofreram de forma terrível. Viviam em colônias especiais (Ezequiel 3.15, Esdras 2.29). “Certamente eles não eram livres, mas também não eram prisioneiros”.[41]A grande crise provocada pelo exílio não foi a deportação ou sofrimentos físicos. A crise mais intensa foi de ordem teológica. Teria Deus deixado de lado as suas promessas? Não seria Marduc mais poderoso que Yahweh? Onde estava Deus nesta história toda? Não era o templo de Salomão a casa de Deus? Os questionamentos aumentavam de forma angustiante. Praticamente de uma vez Israel perdia três pilares de sua religião: o templo de Jerusalém, a dinastia davídica e a terra Prometida.[42] A frustração era evidente e chegava ao ponto da acusação contra Deus: “Yahweh comporta-se como inimigo, mobilizando suas armas de guerra contra seu próprio povo” (Lamentações 2.4-5).Muitos então se perguntam porque então Israel não sucumbiu de vez no exílio como aconteceu com outras pequenas nações asiáticas. A resposta está na tenacidade da religião israelita.[43] Profetas da estirpe de Jeremias e Ezequiel deram a interpretação teológica correta ao exílio. O povo precisava voltar-se para Deus e arrepender-se.Assim uma nova comunidade surge. Há maior apego a lei, o sábado e a circuncisão e mesmo a visão da história é reelaborada. “Assim ao mesmo tempo que a comunidade se apegava ao seu passado, preparava-se para o futuro”[44]. Em meio a esta profusão teológica, a história também começa a mostrar que as coisas iriam mudar.O reinado de Nabucodonossor acabou em 562 a.C. Seus sucessores não foram tão bem sucedidos. Em 7 anos o trono foi ocupado por três diferentes monarcas: Evilmerodac II, Negiglissar e Nabonidus. Este último buscou colocar a Deusa Lua Sin como suprema, o que desagradou a muitos. Ele viu-se obrigado a mudar sua residência Teima, e deixar a direção política com Belssassar. A Babilônia estava dividida e indefesa.[45]No cenário mundial a grande ameaça era o império Medo. Entretanto Ciro, o persa, se revolta e toma o poder em 550 a.C.. Em 547/6 Ciro derrota e toma conta da Lídia e Egito, os grandes aliados da Babilônia. Ciro está com tudo nas mãos para tomar a Babilônia. Será este o momento em que Dêutero-Isaías chamará Ciro de o ungido de Yahweh.[46]A maneira de Ciro conduzir suas conquistas era muito peculiar. Ele minava o inimigo pelo interior e uma vez vencedor, poupava os vencidos. Ciro conquistou o clero de Marduc que estava insatisfeito com as reformas de Nabonidus. Feito isto, Ciro tomou posse da Babilônia sem luta.[47]Enfim, este é o resumo do cenário que está por trás da mensagem do Dêutero-Isaías: alta produção teológica, questionamentos e mudanças radicais no cenário histórico mundial. E é também neste cenário conturbado e exuberante em que nascem os Cânticos do Servo do Senhor. No decorrer da pesquisa ficará claro que os Cânticos falam a esta época. É justamente nas épocas mais conturbadas que surgem os textos mais criativos e excepcionais.

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