Alicerce Bíblico Para Um Envolvimento Social e Político Dentro da Estrutura Dispensacionalista Tradicional
O dispensacionalismo tradicional[1] ganhou a reputação de não demonstrar interesse pelo engajamento social e político. Essa imagem do dispensacionalismo pode ou não ser justa. Creio que em grande parte seja verdadeira com notáveis exceções.[2] Entretanto, a despeito de ser ou não desenvolvida e aplicada, a concepção dispensacionalista é capaz de produzir uma teologia do envolvimento social e político que seja coerente com os princípios que norteiam o dispensacionalismo. O objetivo deste estudo é o de esboçar os elementos principais que realmente distinguem essa teologia.
Todo ser humano é individualmente responsável diante de Deus pela obra da criação, a qual foi planejada com o objetivo de glorificar a Deus.
As alianças apresentadas na Bíblia propiciam uma estrutura que serve de referência para sabermos a maneira pela qual Deus deseja que procedamos em cada área da vida. Se as primeiras alianças registradas em Gênesis dizem respeito a Adão e seus descendentes (i.e., todo o gênero humano), é razoável que os limites e prerrogativas de tais alianças se apliquem a toda a humanidade. De que maneira?
A Aliança Edênica
A Aliança Edênica (Gn 1.18-30; Gn 2.15-17) apresenta o princípio fundamental que Deus utilizou, antes da entrada do pecado no mundo, para estabelecer Seu governo e relacionamento com o ser humano; aliança essa que tem caráter condicional. A proibição de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal foi um teste que Deus estipulou para Adão no passado (Gn 2.15-17) e, portanto, não é uma regra que possamos transgredir nos dias atuais (veja, também, Rm 5.13-14). Contudo, o Mandato Cultural (Gn 1.26-28) não ficou restrito apenas a Adão. Tal Mandato estabelece a base da responsabilidade individual do ser humano e dos deveres sociais, políticos e econômicos, bem como a responsabilidade final de toda a humanidade, perante Deus, ao longo da história que se seguiu. Foi através dessa aliança que Deus definiu a função cultural e pública a ser desempenhada pela humanidade na história. É uma descrição resumida das tarefas do ser humano.
As Instituições Divinas
As instituições divinas são convenções que atuam dentro dos dispositivos das alianças bíblicas e que dizem respeito à vida do ser humano na sociedade. A primeira vez que ouvi falar desse ensino bíblico, denominado por alguns de “Instituições Divinas”, foi há aproximadamente 35 anos, por intermédio do pastor Charles Clough.[3] Ele declara: “As instituições divinas são estruturas reais e absolutas que integram a existência social do ser humano”.[4] Segundo Clough, “a expressão ‘instituição divina’ tem sido usada há séculos pelos cristãos, principalmente no âmbito teológico reformado, para designar o sistema social básico e permanente”.[5] As instituições divinas foram criadas por Deus, daí o termo “divinas”, e se aplicam a toda a humanidade desde o tempo de Adão e Eva. As estruturas sociais básicas da humanidade não passaram por nenhum processo evolutivo ao longo do tempo, mas já faziam parte da criação de Deus.
A primeira instituição divina é o domínio responsável (Gn 1.26-30; Gn 2.15-17; Sl 8.3-8), que enquadra o ser humano como um indivíduo responsável diante de Deus. O homem foi criado com a responsabilidade de ser o vice-regente de Deus para administrar o planeta Terra sob a autoridade de Deus. A queda do homem no pecado [i.e., a Queda] resultou na perversão da responsabilidade humana, porém tal responsabilidade nunca foi abolida.[6] Isso implica que todo ser humano é individualmente responsável diante de Deus pela obra da criação, a qual foi planejada com o objetivo de glorificar a Deus. Deus a planejou para que, através das escolhas de cada indivíduo, um registro de obediência ou rebelião contra o Criador ficasse evidente na história. Após a Queda, comenta Clough, “em vez de dominar sobre a Terra de modo pacífico e piedoso, sob a orientação de Deus e de Sua Palavra, o ser humano luta e usa suas garras para conquistar um falso domínio estabelecido com suas próprias obras (cf., Tg 4.1-4)”.[7] A escolha individual diz respeito à área na qual alguém tem a opção de confiar em Cristo como seu Salvador ou rejeitá-lO. Ninguém pode fazer essa decisão em favor de outra pessoa. Trata-se de uma escolha individual.
“A família existe com a finalidade de instruir a próxima geração (cf., Êx 20.12; Dt 6.4-9; Ef 6.1-4)”.
A segunda instituição divina é o casamento (Gn 2.18-24). Tal instituição é uma inferência do casamento original de Adão e Eva, registrado em Gênesis 2. É exclusivamente dentro desse contexto que as relações sexuais podem ser desfrutadas e, juntos, marido e mulher devem cumprir o mandato cultural de governar a criação. Constata-se no texto bíblico que a mulher é chamada de “auxiliadora”, trazida por Deus a Adão, já que este tinha necessidade de uma cooperadora que lhe fosse compatível e que o ajudasse a cumprir sua vocação de governar a natureza. “Diferente dos animais, a assim chamada diferenciação sexual no gênero humano não serve apenas para a procriação; também serve para o exercício do domínio”.[8] “Posteriormente, a suprema importância da estrutura do casamento aparece no Novo Testamento, quando Paulo revelou o fato de que tal estrutura tipifica a união de Cristo com a Igreja (Ef 5.22-23)”.[9] Clough faz este comentário esclarecedor:
O gênero humano só pode expressar a imagem de Deus na condição de“homem e mulher” juntos (Gn 1.27). Isso se deve ao fato de que Deus possui certas características que são, por natureza, “femininas” (p. ex., Mt 23.37). Além disso, a função da mulher, descrita em Gênesis 2.18 como “auxiliadora”, não foi designada como algo inferior e degradante. Em outras passagens das Escrituras o mesmo termo original hebraico é usado em referência ao próprio Deus na qualidade de “auxiliador” (Êx 18.4; Dt 33.7) [...] Contudo, a Bíblia, indiscutivelmente, dá ênfase ao varão como aquele que recebe o chamado de Deus, um chamado que se configura na escolha de uma esposa [...] Juntos, numa divisão de trabalho, marido e mulher deixam suas respectivas famílias e, ao contrário da idéia de agregação e ampliação familiar, o rapaz, diretamente subordinado a Deus, tem que assumir a plena responsabilidade de liderança do lar.[10]
A terceira instituição divina, edificada sobre o alicerce das duas primeiras instituições, é a família. “Segundo a Bíblia, a família é a unidade básica da sociedade, não o indivíduo (sob a Lei Mosaica, por exemplo, o direito de posse de uma propriedade pertencia às famílias)”.[11] “A família existe com a finalidade de instruir a próxima geração (cf., Êx 20.12; Dt 6.4-9; Ef 6.1-4)”.[12] A família é a instituição responsável pela continuidade de cada legado familiar, cabendo-lhe a tarefa da educação e da provisão para o bem-estar. Mesmo que uma família decida delegar o ensino a professores, ainda assim ela continua com a responsabilidade de cuidar para que a criança seja devidamente educada. Clough afirma:
A família e o casamento não podem ser dissociados do domínio. Onde houver perversão do domínio e deterioração do ambiente, haverá, por conseguinte, fome e pobreza. A sociedade na qual o casamento é desonrado e famílias são separadas, inevitavelmente entra em colapso. Não pode haver preservação através de um punhado de leis, nem por meio de programas ideológicos ou “redefinições” dos conceitos de casamento e família. Deus planejou as instituições divinas com o intuito de proporcionar domínio e prosperidade.[13]
A Queda não alterou nenhuma das instituições divinas; em vez disso, corrompeu o ser humano que passou a fazer mau uso delas. Clough explica:
Quando se depara com a corrupção em cada uma dessas estruturas sociais, o ser humano decaído reage de várias maneiras. Uma das maneiras é a de reinterpretar a luta contra o pecado pelo ponto de vista da economia (“a luta de classes” de Marx) ou da raça (tanto os racistas de cor branca quanto os de cor negra) ou, ainda, pelo ponto de vista da psicologia (Freud e outros tantos). Outra evasiva é a de abandonar as próprias instituições, considerando-as como “convenções” sociais obsoletas e arbitrárias que precisam de uma “reengenharia”. Contudo, todas essas reações são falhas que custam caro para as sociedades que as cometem. No fim, tais reações refletem a mentalidade pagã que não reconhece a responsabilidade do homem pela queda no pecado nem a anormalidade do mal.[14]
A quinta instituição divina é a diversidade tribal, a qual também foi estabelecida após o Dilúvio com a finalidade de promover a estabilidade social num mundo corrompido pelo pecado.
Instituições Divinas Posteriores à Queda
Pelo menos duas outras instituições divinas foram estabelecidas depois da Queda do homem no pecado. Ambas foram instituídas após o Dilúvio e foram designadas com o propósito de restringir o mal num mundo corrompido. As três primeiras instituições divinas são instituições sociais positivas ou produtivas, enquanto que estas duas últimas são instituições divinas de caráter negativo, destinadas a conter o avanço do mal num mundo degradado.
O governo civil é a quarta instituição divina, na qual Deus transferiu ao homem a responsabilidade de exercer a autoridade governamental, através da Aliança Noética, a fim de auxiliar na restrição do mal depois do Dilúvio (Gn 9.5-6). Antes do Dilúvio, o ser humano não podia executar o juízo referente ao mal praticado, conforme se pode notar no modo pelo qual Deus ordenou que o homem lidasse com o assassinato de Abel cometido por Caim (Gn 4.9-15). Tal instituição divina se baseia na pena capital (Gn 9.5-6), desde que o propósito seja o de reprimir o mal (Rm 13.3-4). Na ordem dada por Deus às instituições civis de requererem a vida pela vida, estava subentendida a autoridade judicial hierarquicamente inferior. Apesar de a pena capital ter se tornado repugnante na cultura ocidental apóstata, ela ainda é a base para o divino estabelecimento do governo civil.[15]
A quinta instituição divina é a diversidade tribal, a qual também foi estabelecida após o Dilúvio com a finalidade de promover a estabilidade social num mundo corrompido pelo pecado (veja, Gn 9.25-27; compare com Gn 10-11 e com Dt 32.8). Observe que não se trata de diversidade racial, mas sim de diversidade tribal. Essa instituição divina não inclui raça, mas, sim, tribos ou famílias. “Ao longo de todo o período pós-diluviano”, esclarece Clough, “Deus preservou a estabilidade e o bem-estar social da humanidade ao incitar uma tribo ou grupo social contra outro, a fim de otimizar o progresso e retardar a influência do mal (cf., At 17.26-27)”.[16]
A diversidade tribal foi implementada através da confusão de idiomas que se deu quando da construção da torre de Babel (Gn 11.1-9). Por que Deus quis separar a humanidade? Muitos crêem que a humanidade deve se juntar numa unidade. O texto de Gênesis 11.6 explica a razão pela qual Deus confundiu as línguas humanas nos seguintes termos: “E o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer”. Portanto, a única finalidade para a qual a humanidade deseja se unir é a de se rebelar contra Deus e ser bem-sucedida na sua rebeldia, conforme se pode constatar no incidente da torre de Babel. Essa é a razão pela qual a história atual ruma para a globalização, à medida que nos afastamos cada vez mais de Deus, e também é o motivo pelo qual o objetivo do Anticristo durante a Tribulação será o de forjar a unificação para o estabelecimento de um governo mundial centralizado que se oponha aos planos e propósitos de Deus. O período da Tribulação chegará ao seu fim com a direta intervenção e o juízo de Deus, assim como aconteceu no Dilúvio de Gênesis. Enquanto isso, Deus retarda a rebelião coletiva da humanidade por intermédio do governo civil e da diversidade tribal.
O propósito da diversidade tribal pode ser ilustrado pelas diferenças que existem nos cascos dos navios. Até 100 anos atrás, todos os navios que cruzavam os oceanos tinham um casco inteiriço. Se uma avaria provocava um rombo razoável no casco da embarcação, quase sempre o navio ia a pique quando a água inundava todo o casco. Então os construtores navais começaram a desenvolver cascos de navio com múltiplos compartimentos, de forma que se um buraco rompesse um dos compartimentos, os outros compartimentos íntegros poderiam manter o navio flutuando. O mesmo ocorre com a humanidade! Se uma tribo se torna perversa, Deus não precisa exercer juízo contra o mundo inteiro. Ele pode usar outros povos para exercer juízo contra aquela tribo perversa, sem a necessidade de um castigo de proporções mundiais. Esse é um dos métodos que Deus utiliza para dirigir as nações neste período entre o Dilúvio e a Segunda Vinda de Cristo.
A Lei Mosaica e a Igreja
O apóstolo Paulo afirma que a Lei de Moisés caducou no momento em que se consumou a perfeita obra de Cristo. Os judeus julgaram que Paulo persuadia “...os homens a adorar a Deus por modo contrário à Lei” (At 18.13) e que ele ensinava “...todos os judeus entre os gentios a apostatarem de Moisés” (At 21.20-29). Embora os acusadores de Paulo fizessem um juízo errado a seu respeito, a acusação certamente se baseava nas declarações e atitudes do apóstolo, as quais deram origem a tal pensamento. Por semelhante modo, a acusação dos judeus contra Jesus de que Ele reivindicara ser Deus baseava-se nas Suas palavras e obras, as quais deram motivo para que eles O julgassem dessa maneira. Em muitos textos das Escrituras Paulo mostra que a Lei Mosaica foi abolida (Rm 6.14-15; Rm 7.1-6; Rm 10.4; 1 Co 3.7-11; 1 Co 9.19-23; Gl 2.19-3.5; Gl 4.1-7; Gl 5.18; Ef 2.14-22). Além do mais, a Lei de Moisés e o próprio Antigo Testamento afirmam que a Lei foi exclusivamente concedida à nação de Israel.[17]
O crente em Cristo deve amar a lei de Deus. A graça não libera o crente da obediência à vontade de Deus. Entretanto, os crentes em Cristo não estão sujeitos à forma da lei que foi dada a Israel.
O Novo Testamento não recomenda a pena de morte para aquelas transgressões que no Antigo Testamento deviam ser punidas com a penalidade máxima. A Lei de Moisés declara: “O homem que se deitar com a mulher de seu pai terá descoberto a nudez de seu pai; ambos serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles” (Lv 20.11). A passagem de 1 Coríntios 5 menciona que esse mesmo tipo de pecado foi cometido, mas o castigo disciplinar determinado por Paulo foi o de entregar tal homem a Satanás (1 Co 5.5), expulsando-o da igreja (1 Co 5.7,13). O apóstolo chega até mesmo a dizer que o julgamento daqueles que estão fora da igreja não é assunto da igreja (1 Co 5.12). Se o pecador mencionado em 2 Coríntios 2.5-11 for a mesma pessoa citada por Paulo em 1 Coríntios 5, é muito provável que a igreja estivesse prestes a finalmente restaurá-lo à comunhão. Isso teria sido impossível se a penalidade da Lei Mosaica fosse executada.
O texto de Deuteronômio 18.20 declara que se um profeta “...presumir de falar alguma palavra em meu nome, que eu lhe não mandei falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta será morto”. No entanto, o Novo Testamento registra que Himeneu e Fileto “...se desviaram da verdade, asseverando que a ressurreição já se realizou” e estavam“...pervertendo a fé a alguns” (2 Tm 2.17-18), mas Paulo não ordenou que eles fossem sentenciados à morte, pelo contrário, o apóstolo expressou seu desejo de que eles retornassem “à sensatez” e se livrassem “dos laços do diabo” (2 Tm 2.24-26). No Novo Testamento há outros textos que demonstram o fato de que a Lei Mosaica chegou ao seu fim com a vinda de Cristo ao mundo (cf., Hb 8.6-7,13; 10.9). Ademais, o crente em Cristo deve amar a lei de Deus. A graça não libera o crente da obediência à vontade de Deus. Entretanto, os crentes em Cristo não estão sujeitos à forma da lei que foi dada a Israel. Em vez disso, temos condição de usar os preceitos da legislação mosaica como exemplos do modo pelo qual podemos reagir individual e coletivamente; é possível obter sabedoria proveniente dos preceitos mosaicos. Porém, os crentes em Cristo devem obedecer à vontade de Deus expressa no Novo Testamento – a “lei de Cristo” – e devem obedecer à lei revelada nas alianças Adâmica e Noética, lei essa que se expressa por meio das instituições divinas.
A sabedoria apela para que o aprendiz a siga, tendo em vista o fato de que ela é justa e traz certos benefícios práticos. A sabedoria também se aplica a todas as áreas da vida.
No que diz respeito ao desenvolvimento da sabedoria nas diversas áreas da vida, temos que buscar na lei o discernimento para nelas agir. Em nenhum âmbito da vida o crente pode adotar idéias e pontos de vista que resultem do sistema deste mundo. Ele deve procurar desenvolver uma perspectiva bíblica de governo, de economia, de família, de educação, e assim por diante, mantendo-se firme nessa convicção. Somos “filhos da luz” e devemos resplandecer nas trevas dos dias atuais. Todavia, como não está no plano de Deus ou ainda não é de Sua vontade que o Reino de Deus assuma o controle deste mundo na presente era, estamos, como o profeta Daniel, vivendo pelos princípios e padrões bíblicos, enquanto aguardamos a concreta intervenção de Deus na história. Isso é o que pode ser chamado de “método da sabedoria”, em oposição ao “método da lei”. O modelo bíblico para tanto é o livro de Provérbios. Quando se estuda o livro de Provérbios não é preciso muito tempo para que alguém perceba que a sabedoria de Provérbios é fruto da reflexão de Salomão na Lei de Moisés. Ele usa o formato da sabedoria para transmitir o conteúdo da Lei ao seu filho e à próxima geração.
A sabedoria difere da lei em virtude do fato de que a lei se constituiu de cláusulas legais inseridas na aliança ou pacto, as quais regulam e podem ser impostas por força de penalidades civis. A lei pode governar qualquer área da vida, tais como os direitos civis, a família, a vida pessoal e as instituições religiosas. Por outro lado, a sabedoria se constitui de conselhos sem nenhuma vinculação com penalidades legais. A sabedoria conta ao inexperiente “a suma” das coisas, de modo que as ciladas da vida possam ser evitadas. A sabedoria apela para que o aprendiz a siga, tendo em vista o fato de que ela é justa e traz certos benefícios práticos. A sabedoria também se aplica a todas as áreas da vida.
O tratamento dado ao adultério tem suas respectivas semelhanças e diferenças na lei e na literatura de sabedoria. Na lei está escrito: “Não...” (Dt 5.18) e, em determinadas situações o adultério implica a pena de morte (Dt 22.22). A literatura de sabedoria desenvolve a compreensão das razões pelas quais não se deve cometer adultério e chega ao ponto de apelar para que aquele que a estuda siga o caminho da sabedoria (Pv 7.6-23), contudo não decreta penalidades civis. A sabedoria diz que se um sábio andar no caminho que ela propõe, colherá certos benefícios. Não é sem motivo que Paulo escreveu a Timóteo:“Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo” (1 Tm 1.8).Nesta Dispensação ou Era da Igreja, a prática de abordar a Lei Mosaica pelo método da sabedoria constitui-se num uso bom e legítimo da lei.
O texto de Deuteronômio 4.6-8 chama a atenção para o fato de que Israel recebera com exclusividade uma sabedoria e um entendimento que seriam percebidos pelas outras nações:
“Guardai-os, pois, e cumpri-os, porque isto será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente, este grande povo é gente sábia e inteligente. Pois que grande nação há que tenha deuses tão chegados a si como o Senhor, nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho?”.
Apesar de ter sido concedida a Israel, a sabedoria deste povo se tornaria evidente aos observadores externos. Aqueles que ficassem impressionados com tal sabedoria provavelmente tentariam imitá-la. Por certo essa tem sido a atitude de muitas nações gentílicas, durante a atual Dispensação da Igreja, naquelas ocasiões em que os crentes em Cristo têm conseguido exercer sua influência.
Para que um cristão atue numa área dessas, é preciso que ele esteja disposto a adaptar e utilizar algumas leis específicas do Antigo Testamento destinadas a Israel, a fim de desenvolver uma metodologia sábia que se aplique a essas áreas em questão. Mas trata-se de sabedoria e não de lei. De fato as nações não são obrigadas a cumprir a lei de Israel, mas são responsáveis pelo cumprimento da Aliança Noética. Entretanto, aquele que pela fé é nova criatura em Cristo terá o desejo de amadurecer e de aplicar a sabedoria que aprendeu na sua “menoridade” (sob a tutela da lei). Há uma tremenda diferença entre dizer que algo é lei para os dias atuais e dizer que se trata de um princípio de sabedoria. O efeito sistêmico freqüentemente será o mesmo, já que a pessoa regenerada em Cristo terá o desejo de por em prática a sabedoria da lei de Deus. Contudo, é fato insofismável que as leis e o pacto que constituem a Aliança Mosaica não foram firmados com nenhuma outra nação ou entidade, exceto com o povo de Israel.
O propósito de Deus nesta Era da Igreja é o de constituir dentre as nações “...um povo para o Seu nome”, a fim de que esse povo seja a noiva de Seu Filho. O propósito da presente era é diferente do propósito de Deus na dispensação anterior. Portanto, assim como existe continuidade entre as dispensações, também existe descontinuidade. O plano de Deus não é a cristianização do mundo, mas sim a evangelização de toda a humanidade. A Igreja é o instrumento pelo qual Deus chama os povos do mundo ao arrependimento e à fé no Evangelho. Aqueles que crêem devem ser edificados pela preciosa Palavra de Deus que foi concedida à Sua Igreja. Estamos envolvidos numa tarefa sem descanso, enquanto nosso Senhor saiu para uma longa jornada; aguardamos com expectativa a volta de Seu Filho que virá dos céus para nos livrar “...da ira vindoura” (1 Ts 1.10).
A Função do Governo na Dispensação da Igreja
Segundo a Bíblia, Deus soberanamente nomeia e destitui os governantes. Não há a menor dúvida de que todos os governantes, tanto os que vieram antes de Moisés quanto os que vieram depois dele, atuam com a permissão de Deus e por Sua vontade, inclusive, Faraó, Herodes, Pilatos, Nabucodonosor e Ciro.
Não há a menor dúvida de que todos os governantes, tanto os que vieram antes de Moisés quanto os que vieram depois dele, atuam com a permissão de Deus e por Sua vontade, inclusive, Faraó, Herodes, Pilatos, Nabucodonosor e Ciro.
A perspectiva do Novo Testamento mostra que os governantes, na qualidade de autoridades instituídas por Deus, não devem ser resistidos. A autoridade pertence a Deus e a Aliança Noética revela que a autoridade judicial foi delegada aos homens (cf., Rm 13.2-5). Sempre que alguém se rebela contra aqueles que estão autorizados por Deus a exercer Sua autoridade, há uma rebelião contra Deus.
Uma vez que os governantes são ministros de Deus, foram constituídos por Ele como vice-regentes e vingadores de Sua ira. Os governantes de Israel tinham nitidamente essa função sob a Aliança Sinaítica, ao passo que as nações não tinham tal função segundo essa mesma aliança. Em Romanos 13.1-2, Paulo afirma que os governantes têm essa função, mas em nenhum lugar o apóstolo a vincula com a Lei de Moisés. O Novo Testamento nos informa que os magistrados devem coibir a prática do mal e honrar a prática do bem (Rm 13.3). Mais uma vez é preciso dizer que esse dever foi instituído e consta na Aliança Noética.
As nações têm seu mandato a partir das Alianças Abraâmica e Noética. A realidade disso se comprova no fato de que Deus julga as nações pelo critério da lealdade ao compromisso que elas têm na aliança que Ele firmou com Noé. A autoridade judicial que os magistrados civis têm para exigir o cumprimento da Lei de Deus é legítima, mas não é a formulação específica da lei de Deus nos seus pormenores, conforme foi dada a Israel. Por certo, muitos dos preceitos legais que Deus outorgou a Israel, inclusive as penas específicas, podem ser usados como modelo na elaboração de leis civis para a sociedade, porém isso não é obrigatório e, se não for feito conforme esse modelo, também não acarreta a ira de Deus. No caso em questão, o único critério de responsabilização é o da vontade de Deus na consciência, de acordo com o que Ele determinou através de Sua aliança com Noé.
Conclusão
Nesta abordagem teológica acerca do governo e da sociedade, verificamos, primeiramente, que se trata de uma perspectiva compatível com os princípios teológicos do dispensacionalismo. Constatamos que a responsabilidade tanto social quanto política é individual, exceto no que diz respeito à assistência das viúvas por parte da igreja (cf., 1 Tm 5). Essa concepção apresenta uma perspectiva conservadora de governo e contempla a responsabilidade individual e a família como as instituições produtivas numa sociedade. Durante a atual Dispensação da Igreja, um crente, como indivíduo, deve atuar socialmente dentro dos parâmetros estruturais das instituições divinas, enquanto leva em consideração todas as ordenanças que lhe são dadas como um membro da Igreja, o Corpo de Cristo. (Thomas Ice - Pre-Trib Research Center - http://www.chamada.com.br)
Notas:
- Quando faço uso do termo “dispensacionalismo”, refiro-me ao “dispensacionalismo tradicional”. Eu não creio que desdobramentos recentes, tais como o “dispensacionalismo progressivo”, são formas válidas de dispensacionalismo, visto que erroneamente misturam as dispensações (i.e., dizem que a atual Dispensação da Igreja é um aspecto espiritual do Reino Davídico ou Milênio). Essa questão naturalmente já foi discutida e é assunto para uma outra ocasião. Meu intuito, apenas, é o de deixar bem claro o que quero dizer com o termo dispensacionalismo.
- Entre as exceções encontram-se Jerry Falwell, Tim e Beverly LaHaye, bem como Francis Schaeffer. Com base naquela extensa série de preleções sobre escatologia que Schaeffer proferiu na década de 1960, fica evidente que se aquilo não for chamado de dispensacionalismo, não sei em que seria diferente.
- Para aqueles que se interessam em ouvir a série de preleções que Charles Clough proferiu, intitulada “The Biblical Frame.
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