Pregadores ambulantes tomam autocarros em Luanda
O repórter estava dentro de um dos autocarros da empresa SGO que fazia o trajecto Multiperfil-Zamba II, quando, ao meio do percurso, no corredor, um jovem que viajava de pé decidiu saudar em voz alta aquele que chamou de “povo de Deus”.
Contava-se o número de pessoas que responderam à saudação, mas mesmo assim Sousa Quintino, de 20 anos, não se desanimou e deu início àquilo que o levou até ali. Parte dos ocupantes daquela viatura já sabiam o que se passava, já que ouvir um sermão, para além de aguentar o trânsito infernal, tornou-se o outro pão de cada dia.
O evangelizador começou o seu discurso com algumas considerações, alegando que o mundo em que vivemos está a chegar ao fim e que a única solução de todos os problemas é ter Cristo como nosso guia. Passados 5 minutos fez a primeira citação bíblica (Romanos 13, 8-10) e os ouvintes pararam de murmurar para prestar atenção ao versículo que fala do amor e do cumprimento da Lei.
Caminhava do local em que fica o cobrador até ao fundo do autocarro e falava sem parar nem baixar o tom de voz. Era impossível não prestar atenção ao que o “profeta” dizia e não levou muito tempo para persuadir a maior parte dos viajantes, uma vez que de 3 em 3 minutos não parava de perguntar “amém irmão?” e muitos respondiam “amém”.
Sousa tem memorizados os cerca de 7 versículos de que fez menção durante a viagem de 50 minutos e tinha na sua mochila uma Bíblia, para “em caso de discordância, tenha como me defender”, fez saber ele, que é cristão da Assembleia de Deus Pentecostal e faz aquela prática constante quando vai à escola (17 de Setembro) de autocarro.
Coragem maior que o medo “Sinto-me sempre um pouco intimidado, porque não são todos os dias que a população reage bem a este tipo de prática. Mas nunca fui agredido, apesar de alguns terem feito confusão, acaba sempre bem o meu sermão”, disse ele, que estava atrasado para as aulas, mas mesmo assim desceu na paragem do “Antigo Controlo,” porque não gosta de “sair sem fazer uma oração com todos os que, alega, aceitaram Jesus”.
Sousa Quintino é apenas um dos muitos jovens que decidiram, nos últimos tempos, pregar dentro dos autocarros da urbe. Apesar das dificuldades que têm encontrado, como o desprezo e ameaças por parte de algumas pessoas, pretendem continuar a “alimentar o espírito do povo com a palavra Dele”.
O objectivo, obviamente, é levar a mensagem, não só por intermédio da escrita como também por meio da fala, segundo Van-Dúnem George, outro evangelizador, que faz de uma forma diferente daquela que se tem registado nos autocarros. “Uns fazem gritaria, mas eu opto pela simplicidade, converso com 4 ou 5 jovens e em função disto procuro criar um debate com mais pessoas sobre um tema bíblico. No fim, tiro a Bíblia para fazer o ressumo do assunto com base nas palavras do Senhor”, aponta.
Ele acha fundamental ouvir o que os outros pensam, primeiro, antes de começar a evangelizar, só assim consegue enquadrar o assunto em função do que diz a Bíblia. As vezes, o nosso interlocutor tem encontrado pessoas que já andam com Bíblia e fica mais fácil trabalhar.
Critica o facto de muitos daqueles jovens que aparecem a evangelizar nos autocarros falarem meia-verdade, o que para si, e fundamentando se nos conhecimentos bíblicos que tem, é um grande erro. Fora isto é essencial que haja mais pessoas a evangelizar nestes meios de transporte. Felizmente poucos reclamam, sublinhou ele, “tirando aqueles que já estão perdidos”.
Assuntos como a morte, o dia de adoração, a vinda de Jesus, o amor ao próximo, a salvação, são perpetuados na vasta lista destes jovens que hoje “tomam conta” dos autocarros luandenses. Livros como Géneses, Êxodo, Mateus, Apocalipse, Isaías, Lucas, João e o livro de Salmos, são frequentemente citados por eles durante o sermão.
Muitos sermoneiam sem abrir a Bíblia, “porque pensam que já têm a maior parte dos versículos gravados” e isto, segundo Van-Dúnem, é também um erro. “Quando se evangeliza, o cristão tem de mostrar que aquilo que fala está na Bíblia, abrindo-a. E, se for possível, dar ao ouvinte para ler”, exorta ele, acrescentando que são falsos profetas aqueles que falam sem ter como base a Lei de Deus.
O nosso interlocutor nunca foi impedido de criar debates no autocarro, mas lembra que já o fizeram, uma vez num táxi. O motorista sentiu-se incomodado e exigia a retirada do evangelista, mas depois tudo acabou bem, como nos contou.
Com confusão a mensagem não entra
Embora tenha admitido que já evangelizou em voz alta, Marcelino Gerónimo, Adventista do Sétimo dia, diz que das poucas vezes que fez “foi de um modo não incomodativo”.
Muitas vezes a estratégia do seu grupo de evangelização tem sido esta: “se tivermos a andar 5 pessoas, por exemplo, não atacamos em voz alta, separamo-nos e cada um conversa com alguém. Mas se o Espírito Santo nos tocar e disser que devemos anunciar publicamente, não hesitamos em fazer”, confessou.
O outro método de evangelização que o grupo do qual o nosso entrevistado faz parte também tem adoptado é a entrega de folhetos, porque, por um lado, acham que cabe à eles falar e o resto quem faz é Deus. “Por isso não gritamos muito.
Os outros evangelistas fazem com que as pessoas decidam na hora a aceitação (que não é correcto) de Deus, por isso é que temos visto muitos a orarem no fim do sermão”.
Ele é apologista de que a oração deve ser feita em silêncio e que não deve haver confusão na transmissão da palavra de Deus, senão esta não será acatada. Muitas vezes o povo está cansado e encontra alguém a gritar feito louco no autocarro. Isso tem feito com que ignorem a Palavra, e “acredito que alguns, dentro de si, têm dito: prega só rápido e vai embora”, disse ele.
Marcelino também mostrou-se preocupado com o facto de os membros das outras congregações passarem nos seus sermões apenas a mensagem da prosperidade, “quando deviam também levar a mensagem da verdade espiritual ou da Lei Sagrada – que não existe céus sem Lei”.
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