Já faz 10 anos desde que o governo chinês começou a reprimir o Falun Gong, em uma cruzada que, de acordo com grupos de defesa dos direitos humanos, resultou na detenção de milhares de adeptos e custou ao menos duas mil vidas, e a atenção do mundo há muito se desviou para outros assuntos.A campanha contra o grupo espiritual eliminou sua liderança, dizimou as fileiras de seus fieis e convenceu muito chineses de que o grupo é um "culto malévolo", como afirma o governo. Mas, passados 10 anos, a guerra contra o Falun Gong continua inacabada. No ano passado, até oito mil praticantes foram detidos, de acordo com especialistas em direitos humanos, e pelo menos 100 deles morreram em custódia, entre os quais Yu Zhou, 42 anos, um popular músico de Pequim, e Cao Changling, 77 anos, vice-diretor de uma fábrica de papel em Wuhan, cujo corpo marcado foi devolvido à sua família pela polícia na metade do ano passado, enquanto a China desfrutava das glórias da Olimpíada de Pequim. Nos últimos meses, dezenas de adeptos receberam longas sentenças de prisão, entre os quais Zhang Xingwu, professor aposentado de física na província de Xandong que, na semana passada, foi sentenciado a sete anos de prisão depois que a polícia encontrou material do Falun Gong em seu apartamento, de acordo com familiares. A repressão continuada destaca a dificuldade de erradicar um movimento cujos aderentes se apegam teimosamente às suas crenças, mas também oferece um vislumbre sobre a psique de um governo autoritário que, a despeito de seus abrangentes poderes, ainda se mantém profundamente inseguro. Desde o começo o grupo, que em seu momento mais popular alegava contar com milhões de adeptos na China, insistia em que procurava apenas reconhecimento judicial e não poder político. Mas os principais líderes chineses se alarmaram com sua capacidade de atrair seguidores dedicados em número tão grande - de funcionários aposentados a universitários inexperientes. A decisão de proibir inteiramente o grupo foi tomada depois que 10 mil de seus adeptos realizaram um protesto silencioso diante dos portões do Zhongnanhai, o complexo que abriga a liderança do Partido Comunista, em Pequim, contra notícias publicadas pela imprensa estatal do país e consideradas como difamatórias pelo Falun Gong. As forças de segurança aparentemente foram apanhadas de surpresa pela manifestação, realizada em 25 de abril de 1999, e começaram a tratar o grupo como uma ameaça à segurança nacional."Até mesmo um time de futebol, se tivesse uma organização semelhante à do Falun Gong, teria produzido reação semelhante", disse T. Kumar, diretor de questões asiáticas da Anistia Internacional. Ainda que a propaganda feroz contra o grupo tenha se atenuado nos últimos anos, o Falun Gong continua a ser um tópico venenoso na China. Poucos acadêmicos falam sobre ele abertamente, e qualquer informação que possa ser interpretada como simpática à organização é eliminada da Internet. O Falun Gong é um amálgama de budismo, misticismo e qigong, um regime tradicional de exercícios que continua muito popular entre os chineses. Para os adeptos do Falun Gong que praticam a doutrina em segredo, o único vislumbre de esperança parece ser o pequeno mas crescente número de advogados dispostos a defender seus casos. Mesmo que esses esforços judiciais tenham até o momento se provado infrutíferos, o fato é que os adeptos do Falun Gong nem mesmo tinham direito a advogados, anteriormente. Na semana passada, Jiang Yu, porta-voz do Ministério do Exterior, reiterou a posição que o governo mantém há muito sobre o Falun Gong, a de que o movimento merece ser suprimido porque enfatiza a meditação e a paranormalidade de preferência à medicina moderna. "O culto Falun Gong viola os direitos humanos ao controlar as mentes das pessoas", ele declarou em resposta a uma questão deste repórter. Entre os especialistas estrangeiros, existe um amplo consenso de que os esforços do governo na verdade não foram muito benéficos para as autoridades, ao menos no cenário internacional, no qual a China vem sendo prejudicada por alegações de que emprega tortura para forçar pessoas a abandonar suas crenças. "Os excessos e a selvageria reduziram de fato a qualidade do governo e prejudicaram sua reputação externa", disse Jerome Cohen, membros do Conselho de Relações Internacionais e especialista nas leis chinesas. "Eles estão pagando um preço elevado por sua crueldade para com essas pessoas". De acordo com adeptos do Falun Gong e advogados chineses que defenderam seus casos, a crueldade continua, inalterada. David Ownby, autor de um livro sobre o Falun Gong e o futuro da China, disse que Li Hongzhi, o líder da organização, que vive em Nova York, e seus seguidores podem ter cometido um erro tático ao promoverem a manifestação em Pequim, mas que o Partido Comunista também errou ao interpretar essa ação como ameaça ao seu controle. "Se os dois lados tivessem sido mais astutos, o Falun Gong poderia ter sido cooptado pelo governo", disse Ownby, professor de estudos do Leste Asiático na Universidade de Montreal. Ele acrescentou que "as terríveis perdas de vidas poderiam ter sido evitadas
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